Brasil na Estação Espacial Internacional
A trajetória do Brasil na Estação Espacial Internacional foi marcada por incompetência, falta de transparência, descumprimento de promessas e uma abordagem típica de empurrar com a barriga. Neste artigo, vamos explorar essa jornada que não levou a lugar algum. Prepare-se, e venha conosco.
Em um documento de 2010 do Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara dos Deputados, foi declarado o encerramento da participação do Brasil no projeto da Estação Espacial Internacional. Na verdade, essa decisão já tinha sido tomada oficialmente em 2008, quando a NASA comemorou os dez anos da Estação Espacial Internacional sem fazer qualquer menção ao Brasil.
Estação Espacial Internacional
A Estação Espacial Internacional (ISS) em suas origens, era muito menos internacional. Concebida desde os anos 1960, a estação espacial foi planejada para substituir o modesto e problemático Skylab, e rivalizar com a estação russa Mir.
Em 1984, a então chamada Estação Espacial Freedom foi anunciada pelo presidente Ronald Reagan, que logo percebeu o alto custo do espaço. Ele tentou uma parceria com a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, mas ela, conhecida como a Dama de Ferro, não tinha recursos financeiros para apoiar o projeto.
Assim, houve uma redução nas expectativas, o nome foi alterado para Estação Espacial Alfa, e foram oferecidas parcerias à Europa e ao Japão. Em 1993, Uma guerra fria em uma disputa espacial foi descartada, e a única forma da ISS se tornar realidade era com a ajuda dos países comunistas, mesmo que isso implicasse em riscos para recursos cruciais.
Em setembro de 1993, o vice-presidente dos EUA, Al Gore, e o primeiro-ministro russo, Viktor Chernomyrdin, anunciaram a intenção de desenvolver em conjunto uma Estação Espacial. Os países originalmente convidados para participar da Alfa foram confirmados, e novos países, incluindo o Brasil, a 8ª maior economia do mundo, foram convidados a se juntar ao projeto.
O Convite
O convite foi estendido ao Brasil em 1996, durante um período de otimismo em que o país assinava acordos de cooperação espacial com diversas nações, enquanto a administração Clinton mostrava apoio ao governo de Fernando Henrique Cardoso. O Brasil se destacou como o único país em desenvolvimento a ser convidado para participar do Projeto da Estação Espacial Internacional.
Em um documento assinado em 14 de outubro de 1997, foi delineada a participação brasileira na ISS. O compromisso brasileiro envolvia a entrega de componentes entre novembro de 2000 e janeiro de 2004, que incluíam:
– Instalação para Experimentos Tecnológicos (TEF)
– Janela de Observação para Pesquisa – Bloco 2 (WORF-2)
– Palete Expresso para Experimentos na Estação Espacial (EXPRESS)
– Container Despressurizado para Logística (ULC)
– Adaptador de Interface para Manuseio de Carga (CHIA)
– Sistema de Anexação ZI-ULC (ZI-ULC-AS)
Embora tecnicamente não fossem componentes essenciais, eram necessários para o projeto, porém não estratégicos, o que permitia margem para imprevistos. Estes itens seriam produzidos no Brasil, seguindo especificações da NASA e fabricantes americanos como a Boeing. O custo estimado pela NASA foi de US$120 milhões, ou US$196 milhões em valores de 2021.
No Brasil, os primeiros sinais de problemas futuros já apareciam. Uma pequena nota no Jornal do Brasil em 13 de outubro de 1997 mencionava:
“Convênio garantirá ao Brasil participação em uma estação espacial construída pela NASA. O Brasil terá que entrar com US$12 milhões, mas a proposta do Congresso só prevê US$4 milhões”
O governo exaltava o acordo como uma oportunidade para trazer conhecimento técnico para a indústria nacional. Em troca, teríamos acesso a experimentos, tecnologia, espaço de carga na ISS e, principalmente, um astronauta brasileiro participaria de pelo menos uma missão na Estação Espacial. Em meio a muita celebração, em 1998 foi anunciado que o então Capitão Marcos Pontes havia sido selecionado e iniciaria seu treinamento em Houston para a futura missão.
Contudo, os problemas já se manifestavam em solo brasileiro. A Embraer havia sido escolhida para fabricar os componentes, e ela subcontrataria o projeto para outras 15 empresas, incluindo a Boeing. No entanto, não houve repasse de verbas. Na realidade, o orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) nem mesmo considerava o projeto da ISS, e a Boeing acabou sendo prejudicada com um calote de US$15 milhões em 1998. A situação piorou para a Embraer, que deixou de receber US$20 milhões.
Os Primeiros Problemas
A NASA começava discretamente a buscar fornecedores alternativos, enquanto no Brasil a situação era adiada. A Embraer eventualmente admitiu que não conseguiria fabricar os seis componentes planejados, ficando capaz de produzir apenas o Palete Expresso (Express Pallet, em inglês), basicamente uma estante metálica. No entanto, seu custo seria de US$300 milhões, superando em muito os US$120 milhões destinados ao projeto completo.
Nossa contribuição representava apenas 0.12% do custo total da Estação Espacial, mas era suficiente para causar atrasos significativos no cronograma. A NASA pressionou o Brasil pela entrega do Palete Expresso, o componente mais crucial. Originalmente planejado para ser lançado em 2006, deveria ter sido entregue em 2001, mas já estávamos em 2002.
A Embraer sugeriu reduzir o custo do Palete Expresso de US$300 milhões para US$140 milhões, ainda assim ultrapassando em US$20 milhões o orçamento inicial para todos os componentes.
A NASA enfrentou adiamentos de junho a outubro, quando o Brasil finalmente admitiu sua incapacidade de fornecer o Palete. Além disso, não seria mais possível desenvolver projetos mais complexos, como a Janela de Observação WORF-2.
Internamente, a NASA considerou encerrar a participação brasileira, mas questões diplomáticas impediram a tomada de uma decisão tão radical. Novas propostas foram feitas: o Brasil produziria o Container Despressurizado para Logística, uma estrutura simples, e 43 FSEs (Flight Support Equipments), adaptadores genéricos para interconectar sistemas na estação.
O Brasil, por sua vez, declarou que não seria capaz de fabricar o Container, mas se comprometeu a produzir os FSEs, com um custo de US$8 milhões. Eles deveriam estar prontos até 2006.
Segundo dirigentes da NASA que falaram à imprensa internacional em abril de 2006, desde 2004 os contatos com a agência brasileira cessaram completamente. O Brasil simplesmente desapareceu de suas responsabilidades e obrigações.
Além disso, o Brasil, agindo como um caloteiro orgulhoso, ficou indignado com a retirada de Marcos Pontes dos planos para futuros voos. Ele estava programado para embarcar em um ônibus espacial em 2007, mas o acidente com o Columbia levou a NASA a reduzir o número de voos planejados para o futuro. Independentemente disso, o Brasil ainda não havia cumprido NADA do que havia prometido.
Senai
Roberto Amaral, então Ministro de Ciência e Tecnologia, pressionou publicamente pela realização de um voo para Marcos Pontes, considerando-o uma questão de orgulho nacional. Ao mesmo tempo, na NASA, o clima era extremamente tenso. Pontes, por sua vez, relatou que não tinha mais explicações para dar em reuniões e já estava sem desculpas.
Quanto aos FSEs prometidos, ninguém tinha informações. Anos se passaram sem qualquer avanço.
Por iniciativa própria, Marcos Pontes buscou parceiros comerciais e chegou ao SENAI, onde havia sido aluno. Ele conseguiu persuadir o SENAI a produzir os FSEs conforme as exigências da NASA, sem custo algum para o governo brasileiro.
A ideia por trás disso era ter equipamentos no espaço com a marca MADE IN SENAI, o que seria uma propaganda imbatível.
Burocracia Estatal
Em abril de 2005, foi anunciado que o SENAI fabricaria 38 FSEs (posteriormente reduzidos para 33), com o primeiro protótipo a ser entregue em um ano. No entanto, Pontes assegurou que poderiam ser produzidos em apenas 120 dias, mais uma vez sem custo algum. A Agência Espacial Brasileira estimou o valor dos FSEs em R$86 milhões.
Em junho de 2006, o SENAI ainda estava trabalhando no primeiro dos FSEs. Nesse ínterim, a AEB sugeriu substituir os FSEs por uma câmera de satélite que, segundo eles, o INPE seria capaz de construir.
O atraso não foi culpa do SENAI. Eles simplesmente enfrentaram dificuldades para superar a inércia e a burocracia estatal. Os agentes governamentais que não viam o projeto da Estação Espacial com bons olhos não tinham interesse em avançar, e consequentemente, os pedidos de especificações e dúvidas técnicas que normalmente seriam resolvidos em questão de minutos entre empresas parceiras levavam semanas quando intermediados pela AEB.
Mais uma vez, ficou evidente para a NASA que o Brasil não conseguiria entregar os 18 FSEs (sim, foram reduzidos novamente).
Marcos Pontes na Estação Espacial
Desde 2004, o Brasil tinha incertezas sobre se Marcos Pontes iria ao espaço pela NASA. O governo era pressionado pelos US$500 mil investidos em seu treinamento, e Pontes estava bastante descontente com a maneira como foi tratado, sendo aclamado como herói nacional em público, mas considerado indesejável internamente. Muitas pessoas nunca aceitaram completamente o acordo que ele fez com o SENAI, e sua posição de apoio à NASA também não era popular entre os políticos brasileiros.
Apesar disso, havia a necessidade de silenciar as críticas em geral, e em 30 de março de 2006, Marcos Pontes embarcou para a ISS a bordo de uma Soyuz. No entanto, ele não fazia parte oficial da Expedição 13, que era composta pelo Comandante Pavel Vinogradov e pelo Engenheiro de Voo Jeffrey Williams.
Pontes não apareceu nas fotos oficiais, sendo levado como “carga” ou, de maneira mais delicada, como um turista espacial. A imprensa logo destacou essa situação, mas a abordagem do New York Times, chamando Pontes de “caroneiro”, não está correta.
Ele era um passageiro pagante, e bastante caro. Os russos estavam enfrentando dificuldades financeiras e ofereciam voos para a Estação Espacial Internacional para turistas. Embora a NASA não estivesse totalmente de acordo, essa era a solução encontrada. Desde Denis Tito em 2001, vários visitantes pagaram para visitar a Estação. Gregory Olsen, pagou cerca de US$20 milhões, então presume-se que Pontes não tenha saído por um valor muito menor.
Para os americanos, a situação era clara e simples: “Negociamos um conjunto de peças por US$120 milhões, vocês enrolam, não entregam, e depois negociamos um pacote por US$8 milhões. Vocês dizem que não têm dinheiro, mas pagam US$20 milhões para enviar um indivíduo para passar 9 dias no espaço?”
É importante mencionar que, oficialmente, o Governo Brasileiro afirma que o custo do voo de Pontes foi de US$11,2 milhões.
De volta à Terra, com seu sonho realizado, Pontes foi para a Reserva da Aeronáutica e começou a criticar o Governo, que então cortou todo o apoio a ele.
“Sou a única pessoa que pode falar oficialmente com a NASA”, declarou em 2006 Raimundo Mussi, gerente do Programa ISS-Brasil da AEB.
Segundo Mussi, as renegociações estavam quase finalizadas, e o Brasil havia reservado, naquele ano, R$5 milhões do orçamento da AEB para a Estação Espacial, o equivalente a US$2,2 milhões na época. Isso representava cerca de 15% do custo do voo de Pontes e um quarto do custo estimado dos FSEs.
No mesmo ano, antes do SENAI conseguir entregar seu protótipo, o Brasil recebeu uma carta da NASA dizendo “Obrigado, não precisamos mais”. Outros fornecedores foram designados para produzir os FSEs em regime de emergência, enquanto o restante dos equipamentos já estava sendo construído ou na fase de entrega.
Conclusão
Em maio de 2007, um artigo do Estadão, citando John Logsdon, Conselheiro da NASA, foi claro: “Brasil está excluído do projeto da estação espacial”.
Logsdon destacou que a paciência da NASA havia chegado ao limite. Após dez anos de promessas vazias e um investimento significativo para enviar um astronauta para a Estação sem qualquer contribuição substancial do país, a NASA não viu mais razão para manter o Brasil envolvido. Por questões diplomáticas, não houve uma expulsão formal; em vez disso, o Brasil foi ignorado e isolado.
De forma discreta, a NASA removeu o Brasil do programa da Estação Espacial Internacional. As bandeiras brasileiras foram retiradas dos cartazes e da decoração, tanto em solo quanto no espaço. Em novembro de 2008, um comunicado de imprensa comemorando os dez anos da Estação Espacial não mencionou o Brasil como parte do projeto.
Internamente, surgiram justificativas irracionais para tentar explicar o inexplicável. Algumas pessoas sugeriram que o programa da Estação Espacial era uma tentativa dos Estados Unidos de alinhar o programa espacial brasileiro ao deles, prejudicando a soberania nacional. Em um documento sobre a Política Espacial Brasileira de 2010, foi mencionada uma desculpa que o programa não era considerado bom porque as empresas brasileiras estariam apenas construindo projetos já prontos, em vez de desenvolver tecnologia.
A negociação entre o INPE, a NASA e a Boeing (empresa contratada pela NASA) mostrou-se complexa e demorada. Foi estabelecido um modelo em que o INPE assumiria o papel de contratante principal, enquanto as empresas nacionais seriam subcontratadas apenas para a fase de fabricação. Isso porque o projeto seria elaborado por empresas estrangeiras, com o desenvolvimento inicial ocorrendo no exterior, resultando no Brasil financiando o desenvolvimento em outro país. Etapas cruciais para o avanço tecnológico do país, como o desenvolvimento de componentes eletrônicos (conhecidos como aviônicos), dificilmente seriam delegadas às empresas brasileiras. Em última análise, a falta de alocação adequada de recursos por parte do Brasil foi determinante para o encerramento do referido programa.